quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Afagos afegãos



Está a haver eleições no Afeganistão. Apesar de ser verdadeira, esta é uma frase estranha. Afeganistão e eleições são palavras que raramente se situam na mesma frase. Fazer eleições no Afeganistão é uma tentativa patética de dar uma aparência normal àquele país. Mas aquilo que por comodidade chamaremos Ocidente não tem outro remédio: está condenado a fugir para a frente.
O que aconteceu foi que o Ocidente caíu numa armadilha para a qual já devia estar vacinado. Sabe, desde o Vietname, que não é saudável meter-se em guerras de infantaria no Terceiro Mundo. Mas, mesmo assim, meteu-se numa, quase sem dar por isso. A propósito da “luta contra o terror,” os EUA, e o chamado Ocidente com eles, foram para o Afeganistão à procura de bin Laden, por meio de uma guerra altamente tecnológica e de poucos efectivos. Oito anos depois, não apanharam bin Laden, precisam de cada vez mais gente, não controlam a maior parte do país, e estão metidos até ao pescoço numa tradicional guerra de guerrilha, daquelas que nunca se ganham.
O Afeganistão preenche quase todos os requisitos para ser considerado um “vespeiro,” um “atoleiro,” ou qualquer outra metáfora para uma situação sem saída (na melhor das hipóteses). Nunca ninguém o conseguiu controlar, e não é a NATO que o vai conseguir. É um país volátil e volúvel, povoado por gente dura que não se vende, mas se aluga ao melhor preço – e se odeia entre si quase tanto como odeia o “estrangeiro.” Nem é bem um país, mas uma manta de retalhos tribal. Não terá nunca, num futuro previsível, um governo confiante e confiável. As eleições vão ser uma fantochada. Há vários dias que se andam a vender boletins de voto nos bazares de Cabul – é fácil imaginar o que se passará nas regiões mais remotas, que de resto começam a poucos quilómetros da capital.
O Iraque já devia ter sido uma lição. Os americanos, no seu optimismo neófito de quem só anda há 200 anos neste mundo, acham que basta fazer eleições para resolver tudo, e que a democracia é assim uma espécie de McDonalds que se implanta na base do franchising. Eles próprios já esqueceram como isso da democracia é uma coisa tão difícil e rara, ainda hoje, neste mundo. O Iraque vai desabar assim que eles saírem (já começa), e o Afeganistão vai engoli-los, e a nós com eles. Uma guerra daquelas só se ganha se houver um objectivo claro e preciso, findo o qual se pode retirar em boa ordem, tendo cumprida a missão. A eventual captura de bin Laden poderia ser a nossa salvação - a partir daí, poder-se-ia deixar sem remorsos o Afeganistão à sua sorte. Mas bin Laden nunca será capturado. E vamos acabar por sair de lá mais tarde ou mais cedo – com muito mais soldados mortos, muito mais choro, ranger de dentes e faces perdidas. Com uma derrota, em suma.
Por isso, o Ocidente deve encarar o actual esforço militar no Afeganistão como a preparação de uma retirada minimamente honrosa. O problema é que, ao contrário dos EUA, que nos século XX nunca sofreram no seu território as consequências mais graves de um conflito armado e muito menos de uma derrota, e por isso continuam culturalmente convencidos de que a guerra é uma opção acima de outras eventualmente mais pacíficas, os europeus já deram para esse peditório. Habituados, ainda por cima, a viverem sob o guarda-chuva americano que os salvou das hordas soviéticas (que hoje se sabe terem sido largamente sobrestimadas), não estão muito pelos ajustes de mandar mais um só soldado que seja para o ultramar.

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