domingo, 8 de novembro de 2009

Para assinalar a data

Eu não estava lá na noite em que o Muro caíu, há vinte anos. Aliás, nem me lembro bem dessa noite. Na altura, não havia CNN em muitas casas, a começar pela minha, que tinha dois canais e viva o velho. Mas tenho ideia de alguém me telefonar a dizer: "Está tudo doido em Berlim. Estão a dançar em cima do Muro."
Apesar de tudo, foi uma surpresa. Naqueles dias de 1989, em que os acontecimentos aceleravam , ainda estávamos muito viciados na imutabilidade das coisas. Há 40 anos que as fronteiras não mudavam, que nada de essencial mudava. Tinha havido o Solidariedade polaco, o Papa igualmente, as Malvinas entre dois países com McDonald's, haveria a Checoslováquia de veludo, eu sei lá. Estava tudo a desabar. Mas apesar de sabermos isso, não queríamos acreditar que o Mundo tal como o conhecíamos ia acabar, e que afinal aquele muro temeroso era tão fininho.
Ninguém acreditava e, vai-se a ver agora, ninguém queria. Nem a Inglaterra, nem a França. Toda a gente tinha medo de uma Alemanha reunificada, de "um colosso de 80 milhões de habitantes," como se repetia na altura em voz trémula - ainda por cima, 80 milhões de
alemães, santo Deus... Era a memória histórica do monstro.
Extraordinariamente, onde parecia haver menos medo dele era nas paragens que mais tinham sofrido com a besta, nessa Rússia onde Gorbachev assistia impávido ao desmoronar do dominó leste-europeu, ao dissolver do cordão sanitário erguido do Báltico ao Adriático para conter de uma vez por todas a agressão capitalista. Não se sabia bem na altura, mas era por não ter escolha.
A URSS era um gigante com pés de barro, estava falida e não podia sustentar mais aqueles regimes. Nem a ela própria, e à sua suposta super-potência. Era um
bluff. Por essa altura lembro-me de falar com Victor Cunha Rego depois de ele ter feito parte da comitiva de Mário Soares numa visita à URSS. Vinha a cacarejar no seu riso inigualável: "Ó pá, andámos nós com medo daqueles gajos durante estes anos todos...Aquilo está tudo atado por arames. Se nos tivessem invadido, os tanques deles paravam ao fim de dez quilómetros."
Seja como for, nesses dias andávamos angustiados, percebendo que a História se estava a fazer e com medo de não saber acompanhá-la. Nesse dia, há vinte anos, percebemos que ela tivera um momento decisivo. Só houve um dia parecido doze anos depois, a 11 de Setembro de 2001. Num mundo já muito diferente do que era em 1989.

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