quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Haiti

Li-o quando eu era mais novo e mais impressionável, e deixou-me uma marca especial. O improvável Haiti entrou assim na minha vida, como na de muitas pessoas. Aqui conheci "Papa Doc," o seu regime canibal e os seus tontons macoute - a expressão do mal absoluto. E conheci o cínico director de hotel que vê tudo à sua volta afundar-se na barbárie, e acha que nada tem a ver com aquilo. Ele mostrou-me como a indiferença é mais devastadora do que o ódio. Quando me rodeia a tentação de prolongar o distanciamento sobre as coisas, lembro-me às vezes do sr. Brown. Sim, há alturas em que não há hipótese: mais tarde ou mais cedo temos que tomar partido. De Homero a "Avatar" (olha que comparação eu fui arranjar agora, desculpem lá), esta questão central da nossa vida, nas suas mais variadas formas, vem sempre ao de cima. Mais vale arrependermo-nos de ter feito alguma coisa do que de não termos feito nada.
Nestas horas em que o horror absoluto volta a pairar sobre o Haiti, não há partidos a tomar, mas a indiferença não é possível, embora pouco possamos fazer de imediato. Há países marcados pela tragédia. Se eu achasse que dava resultado, rezava agora por ele. Mas onde estava Deus antes disto? E do tsunami de 2006? E de Auschwitz? Onde está agora?

8 comentários:

  1. no conforto europeu, de uma velha europa robusta sem catástrofes (aparentemente), tudo é estatística.

    (nunca li isso. vale a pena? tenho um preconceito qualquer com o autor.)

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  2. Para mim, valeu a pena. Quanto mais não seja, deu-me assunto para hoje.

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  3. Também li o livro, recordei-me agora da capa, ficou-me também a memória do "Papa Doc" e dos "Tonton Macoute", os pides tropicais, depois ainda vi um filme, acho que com o Richard Burton, em que os Tonton Macoute apareciam com aqueles óculos escuros espelhados que eram novidade na época e que têm algo em comum com um véu invertido, mostram a boca mas escondem os olhos. Sobre o Mal existem os livros da Susan Neiman e vi agora esta review do Martin Gardner: http://www.newcriterion.com/articles.cfm/The-price-we-pay-3949 (não me abalanço a ler o livro mas a review vale por si). O livro "Os Comediantes" parece utilíssimo, dá para posts e ainda para comentários longos.

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  4. Deus não está :) Ou pelo menos não está esse Deus que imaginamos. È tempo de fazermos uns pelos outros o que imaginámos que ele faria por nós.
    ~CC~

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  5. Obrigado pelas indicações e pelo link, jj amarante. Ainda não o li todo, mas já vi que vou encontrar nele mais perguntas interessantíssimas para as respostas que tenho sobre o assunto.

    CCF: O Deus que imaginamos é um Deus feito à nossa imagem. Mas a uma nossa imagem muito idealizada. Daí as desilusões que nos prega.
    Os gregos eram muito mais inteligentes, fizeram os Deuses à imagem do Homem mas não idealizaram nada. O Olimpo era obviamente uma casa de doidos, mas ao menos não enganava ninguém.

    Com tudo isto, e com a minha perguntinha final, que foi quase instintiva - nem a queria fazer quando comecei a escrever o texto - fui entrar pelos caminhos de uma discussão que está na orcdem do dia. Devo confessar que a moda do ateísmo militante me põe de pé atrás. Tanta cera para tão ruim defunto? A mim, que sou uma ovelha transviada, ainda vão conseguir converter-me à fé cristã.

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  6. JPB, eu acredito, «racionalmente», num Criador. Mas, precisamente porque, neste momento, «racionalizo», tendo a vê-lo «neutro». Daí que não resista a comentar o seu «post» recorrendo às suas palavras de há dias: «a responsabilidade pelo nosso destino é sempre nossa». Também neste caso. Catástrofes naturais, há-as desde que o homem é homem. Ele até já aprendeu a amenizá-las. Por que é que o faz nuns sítios e não o faz noutros parece-me ser questão que recai na sua responsabilidade exclusiva.

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  7. Luísa:
    Acreditar racionalmente - seja no que for - parece-me uma contradição. A fé não pertence ao domínio da razão. São até coisas contraditórias e inimigas. Destroem-se uma à outra.
    Coisa difente é a razão dizer-nos que algo teve que criar isto tudo, algo teve que detonar o "big bang." Mas esse algo não tem que ser o Deus interventor e "moral" das religiões, cuja existência e qualidades são matéria de fé - o tal Deus que, segundo Voltaire, "se não existisse teria que ser inventado". Pode ser esse princípio neutro ao qual não vale a pena sequer rezar, porque não tem qualquer papel no desenrolar das coisas.
    Para mim, a coisa andará mais por aí. E quanto ao resto, "shit happens". As merdas acontecem, simplesmente. Se acontecem mais nuns sítios do que noutros é realmente por causa de uma mistura trágica entre condições naturais (clima, placas tectónicas, etc.) e acção (ou falta dela) humana.
    No final disto tudo, Deus há-de certamente perdoar-me por não acreditar n'Ele...

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  8. Nem tu, nem eu precisamos de “acreditar” n’Ele....
    Temos uma vida, em vez de um bocadinho de chão e não sobrevivemos apenas do ar que respiramos.
    Mas hoje, talvez eu perceba melhor a necessidade de viver num conto de fadas, para se conseguir sobreviver....chamem-lhe Fé ou aquilo que for preciso!!!
    Quando só se tem o “quadradinho de terra onde cabem os pés” e mesmo esse é imundo... é preciso acreditar que a vida não é só isso!
    Finalmente, acho que aprendi o significado da palavra “Fé” (apesar de não o ter absorvido).
    Também espero ser perdoada por não acreditar n’Ele, nem em nenhum....

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