quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

O Batata e a luz

Não sei qual era o nome dele, só me lembro que tinha a alcunha do "Batata". Era oleiro em Vila Franca do Campo, S. Miguel, Açores, vai para uns trinta anos. Lembro-me que entrei no estaminé do Batata e fiquei fascinado com a luz que o banhava, vinda de umas janelinhas no alto da parede. Não foi com ele, que era atractivo no falar, nem com as coisas que fazia, que eram delicadas e divertidas. Foi com a luz. Foi com o sol que era coado e batia só de um lado nele, nas mãos, nos objectos, que ele moldava dando ao pedal da roda de oleiro com o pé descalço. Então fiquei ali a tirar fotos vorazmente, como um esfomeado num banquete, sabendo que elas iam ficar como eu queria, porque sentia aquele estado de graça que não nos engana. Ele falava, moldava, falava e tornava a moldar, contando como já não havia muita gente que fizesse aquele mister - e eu fotografava, ouvindo-o de esguelha, querendo apanhar aquela luz na face marcada, na curva sensual das coisas que ele fazia, no momento que passava e não voltaria mais. Não soube mais nada do Batata. Possivelmente, haverá quem se lembre dele em Vila Franca do Campo. Aqui está ele, e a luz que eu não quis deixar fugir naquele dia.


2 comentários:

  1. noutra vila franca, na rua da minha avó, havia uma carvoaria e uma marcenaria. em ambas a luz servia sempre como um reforço de ideia. nunca lhe tirei fotografias e agora só me resta a memória dos 5 anos.

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  2. a comoção que senti... conheci-o e também o fotografei. a diferença é que, com todas as minhas viagens e mudanças, já não faço ideia onde guardei, ou se ainda tenho, essas fotografias. muito obrigado por me proporcionar este momento.
    cumps
    fcl

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