sexta-feira, 18 de junho de 2010

O centurião

Hoje já ninguém dá nada pela França, já nem a língua dela se aprende. Mas ainda há uma geração, que está hoje na reforma, para quem a França era a medida de todas as coisas boas e más. Essa geração sabia quem era Marcel Bigeard, que morreu agora. Ele representava uma certa França, tão marcante quanto a de Maio de 68, de Sartre, de Brassens e Ferré, dos ícones intelectuais da esquerda. Era talvez a França oposta a essa. Era também um ícone, à sua maneira - para a geração que devorou os livros de Jean Lartéguy, apostada em combater os ventos da História, que se atirou com os parachutistes de Marcel Bigeard para todos os combates perdidos de um tempo que findava, de Dien Bien Phu a Argel, de Nambuangongo a Mueda.

Bigeard era o Raspéguy de “Os Centuriões.” Inspirou bastante mais do que tal personagem, e o famoso “quico” também adoptado pelas tropas portuguesas, com o tapa-nuca em forma de rabo de lagosta: inspirou toda uma série de centuriões de África, que nada lamentavam como os paras que, perdida a guerra nos idos de Sessenta, reembarcavam em Argel cantando uma canção em voga: Non je ne regrette rien. Uma geração claustrofóbica na redução à Europa, doente dos males do Império e da aventura, marcada para morrer e que no fundo sabia que toda a acção era inútil - mas que dizia, como Cyrano na hora da morte espadeirando o ar, que tudo era ainda mais belo por ser inútil.
Marcel Bigeard, o general mais condecorado de França, era um patife para muitos, um herói também para muitos. Mas isso agora não interessa para nada. O que interessa é que era, também ele, uma certa França que um dia mexeu connosco e vai morrendo. Não sei que coisas levou com ele, mas uma foi certamente, e talvez a única: o seu panache. Sans un pli, sans une tache.

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