sábado, 18 de setembro de 2010

Portugal eterno


Mascate, Omã, 1996
Em 1594, o comandante de um pequeno forte português em território persa escreveu ao seu rei um relatório votado a um triste fim. Começava por se queixar de que o seu forte era de lama e tinha de ser reconstruído anualmente após a estação das chuvas. Explicava em seguida que a sua guarnição se compunha de sete portugueses e vinte e cinco mercenários nativos, e de que com estes homens tinha não apenas que defender o seu posto mas ainda que escoltar caravanas com destino a Ormuz, perseguir atacantes e bandidos e intimidar o sátrapa local. Além de tudo isto sofria ainda de falta de munições – não porque o abastecimento de pólvora e balas fosse problemático, pois já não aspirava sequer a semelhantes luxos, mas devido à irregularidade do envio de setas para os arcos dos seus homens. O catálogo das dificuldades termina com a pior de todas: não podia assegurar o fornecimento de ópio para os seus homens.
Tal descrição dá-nos uma imagem irresistível da vida no mais remoto posto fronteiriço de um império impossível, onde a realidade da situação dos defensores era de tal modo desesperada que não tinha solução à vista, e onde o moral dos heróis condenados só encontrava algum alento nas doses de droga.
Uma derradeira ironia dá ao documento um travo trágico: o relatório nunca chegou ao seu destino. Vítima do frágil sistema de comunicações que assegurava a coesão do império português, foi capturado no mar por corsários ingleses e acabou depositado, juntamente com outras informações secretas inimigas, num arquivo londrino.
(Felipe Fernández-Armesto, "Milénio - A História dos Últimos 1000 Anos", Ed. Presença)

6 comentários:

  1. Acabo de ler na wikipedia (http://en.wikipedia.org/wiki/Oman#The_Portuguese_settlement) que, digo eu agora talvez devido a essa cura de desintoxicação forçada, os Portugueses ainda ficaram por Mascate até 1648, portanto mais 54 anos. Eu diria que já nessa altura os relatórios dos Portugueses, embora constatando problemas reais, eram muito pessimistas.

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  2. O Fernandez-Armesto (que, como o nome sobejamente denuncia, é inglês) refere o "Império impossível," e o capítulo de onde extraí o trecho dedica-se precisamente a analisar essa "impossibilidade" de um império tão ambicioso feito com meios tão limitados.
    É espantoso que um império como o português tenha sido montado, e tenha durado tanto tempo, suportado por uma nação praticamente sem recursos e com pouco mais que um milhão de habitantes durante quase todo o apogeu imperial. Quem o suportou foram estes homens, estas meias-dúzias de gatos pingados aguentando fortes esbarrondados à roda do mundo. A minha admiração por eles não tem limites.

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  3. Éramos poucos, mas bons (talvez do melhor que havia). E o mundo suficientemente grande para que os espaços fossem cobiçados «espaçadamente».
    P.S.: Há quem diga que os ingleses são (ou já foram) os melhores soldados do mundo porque nunca investem sóbrios. ;-D

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  4. partilho da sua admiração JPB, tambem sem limites, o que aquela pouca gente fez é de pasmar; talvez ponha um limite afinal, se calhar despropositado aqui, essa admiração não me dá a mim orgulho de ser português, afinal eu nem sou desse tempo!...

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  5. Pois, Abel: alguém disse um dia que nós não descendemos dos que foram à Índia, mas dos que cá ficaram.

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  6. aicho que foi o meu bisabô!
    mas nem isso bole cumigo, tenho tanto ou pouco orgulho de ser português como teria de ser espanhol se lá tivesse nascido

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