terça-feira, 5 de outubro de 2010

Um dia normal

Avenida Paulista
A República não me excita. Sou genericamente insensível ao discurso sobre a “ética republicana,” porque não vislumbro o que tal possa ser. Em Espanha, em Inglaterra, que são monarquias, não me parece que haja menos ética, ou que ela seja fundamentalmente diferente da nossa. Ética é ética: ou há, ou não há.
Não me choca nada que um determinado corpo de valores de uma determinada sociedade, povo ou nação seja corporizado, simbolizado ou representado por um elemento não-eleito, e mesmo hereditário. Nem tudo tem que ser representativo e avalizado pela maioria. Se a razão da maioria fosse sempre a melhor e a mais justa, não teriam pregado Cristo na cruz e libertado um ladrão. Dir-me-ão que essa tragédia foi essencial para fundar uma religião. Pois foi. Obrigado por me darem razão.
Numa família, não se elegem os pais, por mais debatida e democrática que seja a vida do núcleo. Um povo, uma nação, um país, não são muito mais do que uma família um pouco maior e mais complexa. Um conjunto nacional não pode ser, não é, uma mera soma de vontades. Há sempre algo que está acima disso, e que tem a ver com uma perenidade, uma linha inviolável, um passado e um futuro, um elo indefinível.
Não sou monárquico nem republicano. Acho que hoje a questão está ultrapassada. Mas acho um pouco patética a noção de um presidente “de todos os portugueses” que foi eleito por metade deles. Se é para ser uma figura moral, um árbitro, uma figura tutelar, então que o seja mesmo, e liberte-se da exigência do voto. Um rei, mesmo que seja um idiota, está acima disso. E, hoje em dia, nem faz muito mal que o rei seja idiota, porque não é ele quem manda. A casa real inglesa não prima pela finura de espírito, e os ingleses, de forma geral, vivem bem com isso.
Não me importava nada de ter um rei, e de ter o cerimonial de que todas as monarquias se rodeiam. Até porque o fausto da representação do estado e da nação, ou de uma ideia colectiva, é essencial para a identificação de todos com ela. A Igreja sabe disso, quando se reveste de ouro. Mário Soares sabia disso quando foi presidente, François Mitterrand também. E eram os dois socialistas.  Não tem nada a ver.
O presidente dos EUA é um rei eleito. A república norte-americana vive fascinada com a monarquia, contra a qual se formou. É uma espécie de "complexo de Estocolmo."  Nem descansou enquanto não arranjou uma espécie de família real, os Kennedy. E as dinastias republicanas sucedem-se no governo.
A República implantou-se em Portugal quando já não havia muita diferença a fazer. A Monarquia que por cá vigorava já era inóqua em termos de regime. Não passou a haver mais liberdade ou mais democracia. Nada mudou no essencial. Continuaram a cometer-se fundamentalmente os mesmos disparates. Não estaríamos hoje pior do que se tivéssemos continuado com um rei.
Não estou, neste momento, em Portugal. Mas, se tivesse, este dia ser-me-ia indiferente.

18 comentários:

  1. Ora aí está. Já estou gaga de dizer isso mesmo.
    Não interessa o regime...o que interessa é como somos governados. E por cá nada melhorou com os republicanos uns foram mais liberais outros ditadores absolutos..

    Brasil??!!
    Por cá também vamos, lentamente, nos transformando num país tropical. Já vi menos jeito.

    Um abraço "até ao teu regresso" (!!)

    Dinah

    ResponderEliminar
  2. JPC, entre a hereditariedade monárquica e o voto da maioria (ambos «injustos», cada um ao seu modo) há uma miríade de nuances possíveis (mais «justas»). E já que fala na Igreja, sempre lhe digo que, pessoalmente, gosto bastante do sistema eleitoral do Papa, por um colégio de homens esclarecidos (presumivelmente), que foram subindo na hierarquia por mérito próprio (presumivelmente, também). A continuação de uma boa viagem. :-)

    ResponderEliminar
  3. Ainda aí estás?
    Teresina

    ResponderEliminar
  4. "Numa família, não se elegem os pais, por mais debatida e democrática que seja a vida do núcleo. Um povo, uma nação, um país, não são muito mais do que uma família um pouco maior e mais complexa"... Até que enfim,que leio alguém dizer o que muitas vezes digo em debates político/ económicos com amigos(embora não seja o meu tema favorito,mas do qual não posso fugir)e me acham doida.
    É dificil governar-se seja numa républica ou monarquia ,mas o que não está certo é haver filhos de primeira e filhos de segunda.....
    MJM

    ResponderEliminar
  5. Grandes vidas (e felizes)!
    E como é bom (re)ler-te.

    MH

    ResponderEliminar
  6. Eu discordo. A monarquia, para mim, é sempre sinónimo de privilégios para detentores de títulos e da negação do princípio da igualdade, até no que respeita à oportunidade de se ser representante de uma nação. Agora se me disserem que esta república tem muitos tiques de monarquia... eu substituo o "dis" por "con".
    Lisaa

    ResponderEliminar
  7. Concordo plenamente, M. da Linha, a ter um "PR de todos os portugueses" eleito com a percentagem com que venceu C. Silva, prefiro um rei idiota ou não. O actual PR nas poucas ocasiões em que o escuto traz-me à alembradura o Contra-Almirante Américo Thomaz.

    ResponderEliminar
  8. Luísa: Concordo com a miríade de nuances possíveis, embora me pareçam meras possibilidades teóricas. A prática - isto é, a realidade - é geralmente adversa às nuances.

    Lisaa: eu falo de monarquias modernas. Não vislumbro nas monarquias espanhola ou britânica (já nem falo das outras, regidas por pouco mais do que funcionários coroados) nenhuma casta específica de privilegiados, diferente das que há nas repúblicas.
    Quanto à oportunidade de ser ser representante de uma nação, isso aplica-se a uma pessoa, e mesmo numa república é, uma vez mais, largamente teórica. Eu por mim dispenso-a. Detestava ser rei. Deve dar um trabalhão, perde-se imensa privacidade e é uma vida de servidão.

    ResponderEliminar
  9. Vivo num regime semi-presidencialista, logo não me é indiferente quem e como exerce poderes de presidente da república. Se não está lá quem eu escolhi, azar o meu... está lá quem a maior parte dos eleitores quis (incluindo os abstencionistas, que julgando que não decidem nada, decidem muito). Mas está lá por 5 anos (a não ser que se submeta a novas eleições, como sabemos). Diferente era estar lá um rei, que só lá chegaria por ter nascido na família certa para o efeito, sem que ninguém o escolhesse. É um privilégio de nascimento... errado, para mim. E, porventura, não é nessas monarquias modernas, de que falas, que o homem continua, em pleno século XXI, a ter preferência sobre a mulher na sucessão do trono? E não é, numa delas, obrigatório renunciar ao trono se se decidir casar com uma pessoa de outra religião? Concluo que, dentro das "modernices", a nossa república acaba por ser mais moderna que a monarquia deles. Agora, não se confunda regime monárquico ou republicano com opções governativas e com privilégios económicos que são coisas distintas, as quais, infelizmente, abundam nessas lindas monarquias e nessas magnânimes repúblicas. Não digo mais nada, até porque o blogue é teu! :)
    Lisaa

    ResponderEliminar
  10. Nunca é indiferente quem e como exerce os poderes de presidente, seja qual for o regime - semi, ou totalmente, presidencialista. Um presidente nunca pode ser indiferente.
    Quanto a estar lá alguém que eu não escolhi, isso acontece geralmente a boa parte dos cidadãos (geralmente, cerca de metade) que não votaram no presidente. Então, o melhor é acontecer a todos. É muito mais justo e igualitário. E se está lá por nascimento, azar o dele...
    E que me rala a mim quais os hábitos, usos e costumes internos das monarquias? Se o homem continua a ter preferência sobre a mulher, e essas coisas? Não é isso que caracteriza uma monarquia. Não se trata de coisas inerentes ao regime em causa, mas de usos e costumes que podem bem ser alterados. Outros, bem mais importantes, o foram, fazendo das monarquias de hoje coisas bem diferentes do que eram.
    De resto, o mesmo aconteceu com as repúblicas - ou achas que houve sempre os mesmos direitos para todos, nos regimes republicanos, e que eles foram sempre perfeitos? Ou que já são?
    Quanto ao blogue ser meu, não tem nada a ver. Aliás, precisamente por o ser é que acho giro andar à estalada nele.

    ResponderEliminar
  11. Pese embora me apetecesse comentar mais umas coisas, só te digo o seguinte: essa lógica "moderna" de que se devem retirar direitos (neste caso de votar para eleger um chefe de Estado) para gerar igualdades, sempre pela bitola errada (neste caso de apelo à não participação) tem que se lhe diga. Prefiro ter um PR eleito por 50%, ou até menos, dos eleitores do que um "reizeco" não eleito. Elegeu quem quis. Se assim não fosse, teriamos que pôr em causa todos os órgãos representativos (a abstenção é sempre elevadíssima, a começar pelo Parlamento Europeu, único órgão eleito na UE, entre monarquias e repúblicas, que acabam incompreensivelmente por conviver bem com a ausência de separação de poderes ao nível europeu).Para além disso, dizer que a nossa 1ª República foi o paraíso, seria uma estrondosa mentira... de outra forma não teria caído para dar lugar a um regime bárbaro que se lhe seguiu por 48 anos. Mas é por isso que relevo o 25 de Abril e tudo aquilo que ele transportou como mecanismos de aperfeiçoamento da república. Por último... só me ofereces "porrada" porque sabes que não tenho arcaboiço para ti!:p
    Lisaa

    ResponderEliminar
  12. a) Não há aqui nenhuma lógica "moderna," mas extremamente antiga. Nem estou a par dessa corrente de "retirar direitos para gerar igualdades", e muito menos prego a não participação. Concluir isso do que escrevi é abusivo.
    Acontece que a participação se pode (e deve) fazer de muitas maneiras - pela intervenção cívica, pelo referendo, pela participação activa a todos os níveis da sociedade. Limitá-la ao voto é precisamente isso: limitá-la. É o que temos tendência a fazer, nas nossas democracias incipientes: votar, e esperar que as coisas aconteçam.
    Repito que a questão do regime me é bastante indiferente, pois não é aí que reside o problema português. Mas se me pedissem para decidir, preferia um rei que ninguém escolheu mas que simbolize algo que está para além do tempo, das circunstâncias e do Estado a um presidentezeco artificialmente erigido em "símbolo da Nação" por cinco anos e por metade da população, refém de partidos e facções. Porque não é mais do que isso.

    b) Nunca me referi à nossa primeira República, mas à instituição republicana em geral e, implicitamente, a qualquer regime humano (seja ele república, monarquia ou outra), que nunca nasce perfeito nem algum dia chega à perfeição.
    Mas já agora:
    O Portugal de Salazar era uma república, assim como a Alemanha de Hitler, o Chile de Pinochet, a URSS de Estaline, o Brasil e a Argentina dos generais, e tantos outros. A Itália de Mussolini e a Grécia dos coronéis tiveram que afastar os respectivos reis para se instalarem.
    Isto não significa qualquer regra, mas leva a pensar que se as repúblicas não evitam a ditadura, as monarquias talvez a tornem mais difícil.

    c) Não ofereci porrada a ninguém. Andar à estalada significa dar e levar. Insinuar que me aproveito da pretensa debilidade de alguém é injusto e, no mínimo, deselegante.

    ResponderEliminar
  13. Ops... resta-me um pedido de imensa desculpa em relação ao conteúdo da alínea c). Pensei que era visível que estava, obviamente, a brincar com as palavras e as intenções. Não pretendi ser mal educada. No more comments... da minha parte.
    Lisaa

    ResponderEliminar
  14. Claro que era visível. Se não fosse, nem tinha respondido... Vais amuar?

    ResponderEliminar
  15. estou consigo Lisaa, num amue, num le ligue, ele num tem razõm ninhuma, está em exercícios intelectuais;
    pa trás mij'a burra, e se for p'andar pa trás, ó menos que seija p'ó tempo dos romanos co'as orgias e os bacanais, habia mais cumbíbio, atenoera? agora estes escandalecos das monarquias modernas num tem intresse ninhum

    ResponderEliminar
  16. pois pois; olhe gosto é dos retratos, "são seus"? é isso, vc é retratista, e teaser, um retrateaser portanto, e dos bôs; bem qu'eu gostaba d'andar à porrada consigo mas num consigo, sou franzinito

    ResponderEliminar
  17. Tal na tá a moengaaa!
    Andar á porrada é o que o JPB mais gosta! Deve ter uma costela de Robin Hood... sempre com um excelente manuseamento da flecha(palavra)!!!!
    MJM

    ResponderEliminar