sábado, 9 de janeiro de 2010

Apontar é feio

A mãe de Orhan Pamuk dizia-lhe, quando ele era criança: "Não se aponta que é feio." Mais ou menos na mesma altura a minha mãe dizia-me exactamente o mesmo.
Entre uma e outra havia 5 mil quilómetros, e um mundo de diferenças culturais. Mas lá e cá os mesmos simples gestos podiam ter o mesmo significado, a mesma irrelevância ou a mesma gravidade. Apontar era feio, fosse aqui à sombra das igrejas de Lisboa, ou na outra ponta da Europa, sob os minaretes de Istambul.
Não sei se a mãe de Pamuk também lhe dizia para não falar com a boca cheia e para tirar os cotovelos da mesa. Ele não o conta nas suas memórias de Istambul, mas era capaz de apostar que sim. Há muita coisa familiar que nelas passa em filigrana, estranhamente familiar. Nós, pessoas, e nós, povos, somos muito mais iguais do que julgamos.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Sobre hoje

Eu, que trabalho na periferia de Lisboa e não uso transportes públicos, precisei há tempos de andar de metropolitano. Então, confrontei-me com o inesperado contratempo de não saber como funcionava o sistema de entrada e controlo de bilhetes. Quem me explicou como fazer foi uma ucraniana que por ali passava e reparou no meu embaraço.

Então eu percebi realmente como Portugal mudou no tempo da minha vida, na maior parte da qual a Ucrânia era uma vaga porção exótica de um império tão distante como a Lua, habitada por gente da qual eu (e a maior parte de nós por cá) nada conhecia nem esperava vir a conhecer. Se há quinze anos alguém me dissesse que uma ucraniana me iria explicar o funcionamento do metropolitano de Lisboa, eu acharia que estava doido.

Naquela estação de metro do centro de Lisboa, eu, lisboeta de pai e mãe, senti-me numa capital estrangeira. Não só pela estranheza técnica de não saber usar os bilhetes, mas sobretudo pelo ror de gente das mais desvairadas partes que ali passava. Mais ainda do que uma sociedade pluralista, Portugal é já uma sociedade plural. A sensação que isso me dá é reconfortante.

Hoje vai ser dado mais um passo para essa pluralidade – de etnias, de culturas, de ideias, de opções, de tudo – que é fundamentalmente uma abertura cada vez maior do meu país ao Mundo e às infinitas possibilidades da Vida.

Pode não ser a coisa mais urgente e necessária neste momento, pode não ser do que eu mais preciso, não é de certeza o resultado de uma luta minha ou na qual eu tenha participado. Tenho mais coisas que me ralem. Mas é algo contra o qual eu nada tenho, que não me prejudica minimamente, nem sequer me incomoda, e que sei que vai contribuir para dar felicidade a umas tantas pessoas decentes. E que é, acima de tudo, um acto de liberdade – que, como qualquer acto de liberdade, vai enriquecer a Cidade em que é cometido.