quinta-feira, 18 de março de 2010

MEO gratias

A preguiça, uma vida peripatética e o MEO têm-se conjugado (nefastamente, direi eu com soberba) para explicar a sonolência deste blog. A primeira razão é irremediável, e se calhar dispensava as duas seguintes. De qualquer modo aqui as deixo alegadas, para que não se fique a pensar demasiado mal de mim. Um blog é também um exercício de exibicionismo. Também? Bom, se calhar o “também” também está aqui a mais. Mas não o vou retirar, por hoje já chega de contrição.

A segunda é problema meu. E a terceira é que me traz aqui. Para baralhar, é ela que me fornece tema para dissertar (mas não lhe digam nada). A verdade é que estou a escrever porque neste momento não tenho Net nem televisão, estando assim impedido de vaguear inutilmente pelo ciberespaço ou de fazer sonolentos zappings com a mesma consequência nula para qualquer projecto de auto-aperfeiçoamento que eu possa ainda ter na vida.

Praticamente todos os dias tenho interrupções e quebras no serviço. A coisa provoca-me uma raiva que espero compreensível. Acabei de falar para a MEO há minutos – pela segunda vez hoje, e para aí a quinta este mês. Depois de um percurso sem faltas no cumprimento das indicações de uma máquina com voz de senhora que nos manda premir teclas conforme os nossos anseios, expliquei pela enésima vez o meu problema a um ser aparentemente humano que me atendeu. A criatura ainda procurou de forma muito profissional convencer-me a executar a costumada série de misteriosos gestos em aparelhos com nomes macabros: desligar o router, desligar a box, ligar outra vez a box, depois ligar o router esperando rigorosamente trinta segundos, ou coisa que o valha, ver se as luzinhas dali piscam, ver o que diz aqui, e assim por diante.

A minha voz trémula ao explicar-lhe que fartinho estava eu de desligar e ligar aquela merda toda não logrou comovê-lo, pelo menos aparentemente. O ser disse que “os nosso técnicos estão a tentar solucionar o problema.” Informei-o de que estou a pensar não pagar um serviço que não me é prestado em condições. Respondeu-me que “os nossos técnicos estão a tentar solucionar o problema,” demonstrando ligar tanto às minhas ameaças como se eu lhe dissesse que um cometa amarelo ia cair amanhã em cima da sogra dele.

Acrescentei que se não me solucionassem o problema rapidamente cancelava o serviço, ao que ele me retorquiu que os técnicos deles estavam a tentar solucionar o problema. Estive quase a comentar “Ah, já podia ter dito.” Mas refreei-me, derrotado, e sobretudo receoso de que ele me informasse que os técnicos deles estavam a tentar resolver o problema.

O problema, mas o problema mesmo, real e moderno, é esta impessoalidade, esta inutilidade de qualquer ira, que esbarra invariavelmente numa parede kafkiana. A incompetência e a irresponsabilidade escudam-se nesta barreira electrónica. Não têm face. Não podemos dar murros na mesa ou no balcão, porque não há mesas nem balcões. Do outro lado da linha atendem-nos máquinas que parecem pessoas, que nos remetem para pessoas que parecem máquinas – e o resultado é o mesmo. Se mandarmos a criatura para a pata que a pôs, ela responde-nos: “A sua pretensão foi registada. Mais alguma questão que deseje colocar?” Não há condições.

Até agora os técnicos deles não conseguiram resolver problema nenhum. Para mim, é mais a irritação do que o prejuízo. A televisão faz-me pouca falta – afinal, a TV é como as alheiras: quando sabemos como são feitas perdemos o apetite. A Net, se não houver hoje há amanhã, se Deus quiser. Na falta de sites pornográficos e de blogs ainda mais parvos do que este, resta-me ler o Ulysses do Joyce na versão original. Bom, esta última parte, por incrível que pareça, é mentira. A coisa mais parecida com ela é o facto espantoso de a mulher da minh’alma ter lido já este ano, e de fio a pavio, os três volumes de “O Senhor dos Anéis.” Palavra de honra que é verdade. Eu fiquei parvo. Julgava que, tirando o Pacheco Pereira, já não se faziam coisas assim. O facto envergonhou-me tanto mais que, ao contrário de 99% da classe média educada e informada de Lisboa e vale do Tejo, eu perdi a pachorra para o Bolaño à vigésima mulher assassinada em Santa Teresa (porque fui contar para a frente e ainda faltavam para aí outras tantas). Mas isto, claro, só me fica mal confessar, e nem tem nada a ver com o MEO. Por falar nisso, continua a não dar sinal de vida. Raios partam a PT e a merda do serviço que presta. É meia-noite de quarta-feira, dia 17. Não sei o que vou fazer agora. O meu amor está longe, e eu nem sequer gosto de ler o Record ou divagar sobre o 4-4-2 do Sporting, como fazem os bloggers mais refinados. Não devia ter emprestado o Ulysses ao segurança. Passem bem. Quando lerem isto, já sabem que a Net reapareceu na minha vida. Espero, para vosso bem, que isso vos seja completamente indiferente.