quinta-feira, 22 de abril de 2010

De uma manhã no Alfa

Compro jornais e revistas na estação de Campanhã. Vêm no meio de cartões, suplementos, um CD, ofertas variadas. É um festival de papelada para mandar fora no primeiro cesto. A rapariga da loja pergunta-me se quero, por mais um euro, um guia de Milão que vem com a Sábado.
Um guia de Milão às nove e meia da matina em Campanhã? Para que quero eu semelhante coisa? Não conto ir a Milão, nem faço ideia se lá irei alguma vez.
A propósito: um dia, em Milão, estava eu mais um amigo meu a tentar perceber o esquema das linhas do metro - que nem é complicado - e, dada a conclusão de que não havia metro para onde queríamos ir, eu disse: "Estamos fodidos." E logo ouvimos uma imprevista voz feminina atrás de nós: "Também eu." É sempre agradável encontrar compatriotas no estrangeiro.
Vendo bem, comprei o guia. Sei lá se um dia não vou agradecer aos Céus e ao departamento comercial da Sábado terem-se lembrado de me colocar um guia de Milão à frente numa manhã banal do Porto. Provavelmente, vai-me ser tão útil como a lista de restaurantes de Juneau, no Alasca, que também tenho não me perguntem como, nem porquê, nem para quê. Nunca se sabe.
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Por alturas de Estarreja, cheira mal e o comboio vai a 222 Km/h, num arzinho de TGV dos pobres. Salta-me à vista a capicua. É sol de pouca dura - tanto o fedor como a velocidade. Que sorte calharem ao mesmo tempo.
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Na Visão leio uma caixinha sobre os mais célebres vulcões da história. O relato sobre o Krakatoa, lembrando que a explosão de 1883 se fez ouvir até na Turquia, do outro lado da Terra, termina a dizer que, de seguro, "sabe-se apenas que a futura erupção matará parte significativa da flora e da fauna do planeta."
Desculpe? Então dizem-me isto assim, sem mais explicações, em duas linhas metidas lá para um canto? E eu tão despreocupado, quase a chegar a Coimbra B. Alguém já sabia disto?

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Tinha comprado as revistas além de trazer comigo o 1º volume de crónicas de João Bénard da Costa. Apavora-me estar 2 horas e meia dentro de um comboio sem nada para ler. Fico com angústias, suores frios, palpitações e tremuras. Enfim, exagero.
O JBC escrevia como um senhor que era, e a crónica é um género bom para se ler no comboio, ou na casa de banho. No primeiro, por ser curto, dando para ler no intervalo das dormidas, e não ficar nada pendurado à espera de nova oportunidade para ler o resto. Na segunda, porque é um género geralmente de acordo com a regra que dita o tamanho ideal de uma peça jornalística: o tempo normal de uma ida à casa de banho, para não usar terminologia mais explícita.
Mas isto é como a comida: quanto mais temos, menos lemos. E esqueci-me de que uma viagem diurna não se compadece com distracções. A todo o momento, a paisagem chama-me, tanto mais que não ando assim tantas vezes nesta linha e ela sempre tem para mim coisas nunca vistas. O JBC pode esperar. O céu reflectido na lezíria ribatejana ainda alagada, com as nuvens a correr entre as árvores e os tufos das ervas que despontam das águas paradas, não.
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O país bipolar que nos coube em rifa para nascer vê-se bem nas duas estações de Lisboa.
Uma, a do Oriente, completamente maníaca, pomposa, presumida. Aquela pirotecnia de metal por cima dos cais faz-me nervos, e só por mandato judicial, força de baionetas ou, no mínimo, necessidade premente eu a frequento. O espanhol que a fez deve ter achado que Lisboa e Abidjan eram a mesma coisa (no que não andou muito enganado) e desenhou uma instalação excelente para um país tropical. Tremo só de pensar no que o povo sofre durante o Inverno.
Outra, a velhinha Santa Apolónia, tão maneirinha, na sua postura de apeadeiro terminal. E pensar que aquela casinha azul é uma das principais estações ferroviárias da capital do Império! Tem mais ar de repartição de Finanças. Mas é simpática. Portugal é pequenino mas é um torrãozinho de açúcar.

domingo, 18 de abril de 2010

In hoc signo





Os sinais multiplicam-se nos céus. Dá ideia de que o mundo ajusta contas consigo próprio.
A história do vulcão islandês de nome impronunciável contém vários simbolismos e várias justiças poéticas, algumas mais forçadas que outras. A da vingança islandesa sobre um mundo que a levou à falência já foi sobejamente referida.
A do caos na sociedade moderna motivado por um arrufo da natureza também. Mas há mais uma: já que é proibido fumar nos aviões, agora o fumo e a cinza chateiam do lado de fora. É bem feito.
Tudo isto é bíblico, tudo isto é fado.