sábado, 9 de outubro de 2010

Pessoa no seu labirinto














Para percorrermos o universo labiríntico de Fernando Pessoa, nada como um espaço labiríntico, obscurecido, espécie de percurso iniciático em cujas paredes negras se suspendem fragmentos iluminados de poemas numa ordem anárquica. 
Alguns só podem ler-se ao espelho, a maioria surge como se fosse do nada, suspensos num espaço negro. E assim mergulhamos literalmente na heteronimia, na perplexidade, na pluralidade, na própria demanda pessoana.
Depois há écrãs tácteis onde folheamos os manuscritos. Há um pêndulo misterioso por detrás de painéis de S. Vicente translúcidos. E há uma mesa corrida sobre a qual se espalham as mais variada edições de Pessoa, manuseadas por crescidos, adolescentes e crianças das escolas.













É a exposição temporária sobre Fernando Pessoa no primeiro piso do Museu da Língua Portuguesa, devidamente existente na maior cidade de língua portuguesa do mundo. Eu nunca tinha visto nada assim sobre Pessoa. Ainda bem que há o Brasil para tomar conta dos meus poetas. 

O saco e a tralha

Na Bienal de São Paulo, instalada num espaço ondulante  de luz e curvas brancas lançado por Oscar Niemeyer, lembrei-me do meu irmão que um dia juntou umas tralhas que havia lá em casa dos pais, meteu tudo num saco e foi para a feira da Ladra tentar vendê-las. Ao fim do dia, tinha vendido apenas uma: o saco. 
Quando o que há de mais interessante numa exposição é o sítio em que ela está instalada, algo vai mal com ela, ou connosco. Mas eu sei que o problema não é só meu. A arte contemporânea está com o enorme problema de se achar a si própria e de se justificar num mundo inundado de mensagens. A tecnologia é capaz de nos fornecer experiências estéticas e sensoriais em qualidade e quantidade nunca vistas, e a arte ressente-se da concorrência. 
Então, refugia-se no conceito, no puro intelectualismo, lá onde a tecnologia nunca poderá chegar - mas facilmente alcançável pelo charlatanismo. A arte conceptual anda neste traço vermelho. Um dia eu dou uma mijadela no chão da sala e digo que é uma instalação, e aposto que sou aplaudido.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Um dia normal

Avenida Paulista
A República não me excita. Sou genericamente insensível ao discurso sobre a “ética republicana,” porque não vislumbro o que tal possa ser. Em Espanha, em Inglaterra, que são monarquias, não me parece que haja menos ética, ou que ela seja fundamentalmente diferente da nossa. Ética é ética: ou há, ou não há.
Não me choca nada que um determinado corpo de valores de uma determinada sociedade, povo ou nação seja corporizado, simbolizado ou representado por um elemento não-eleito, e mesmo hereditário. Nem tudo tem que ser representativo e avalizado pela maioria. Se a razão da maioria fosse sempre a melhor e a mais justa, não teriam pregado Cristo na cruz e libertado um ladrão. Dir-me-ão que essa tragédia foi essencial para fundar uma religião. Pois foi. Obrigado por me darem razão.
Numa família, não se elegem os pais, por mais debatida e democrática que seja a vida do núcleo. Um povo, uma nação, um país, não são muito mais do que uma família um pouco maior e mais complexa. Um conjunto nacional não pode ser, não é, uma mera soma de vontades. Há sempre algo que está acima disso, e que tem a ver com uma perenidade, uma linha inviolável, um passado e um futuro, um elo indefinível.
Não sou monárquico nem republicano. Acho que hoje a questão está ultrapassada. Mas acho um pouco patética a noção de um presidente “de todos os portugueses” que foi eleito por metade deles. Se é para ser uma figura moral, um árbitro, uma figura tutelar, então que o seja mesmo, e liberte-se da exigência do voto. Um rei, mesmo que seja um idiota, está acima disso. E, hoje em dia, nem faz muito mal que o rei seja idiota, porque não é ele quem manda. A casa real inglesa não prima pela finura de espírito, e os ingleses, de forma geral, vivem bem com isso.
Não me importava nada de ter um rei, e de ter o cerimonial de que todas as monarquias se rodeiam. Até porque o fausto da representação do estado e da nação, ou de uma ideia colectiva, é essencial para a identificação de todos com ela. A Igreja sabe disso, quando se reveste de ouro. Mário Soares sabia disso quando foi presidente, François Mitterrand também. E eram os dois socialistas.  Não tem nada a ver.
O presidente dos EUA é um rei eleito. A república norte-americana vive fascinada com a monarquia, contra a qual se formou. É uma espécie de "complexo de Estocolmo."  Nem descansou enquanto não arranjou uma espécie de família real, os Kennedy. E as dinastias republicanas sucedem-se no governo.
A República implantou-se em Portugal quando já não havia muita diferença a fazer. A Monarquia que por cá vigorava já era inóqua em termos de regime. Não passou a haver mais liberdade ou mais democracia. Nada mudou no essencial. Continuaram a cometer-se fundamentalmente os mesmos disparates. Não estaríamos hoje pior do que se tivéssemos continuado com um rei.
Não estou, neste momento, em Portugal. Mas, se tivesse, este dia ser-me-ia indiferente.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010