quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Douce France

Paris, 1982
Em 1789, a França explode contra o direito divino dos reis, contra a velha ordem, por um mundo novo de liberdade, igualdade e fraternidade.
Em 1968, a França explode contra a sociedade de consumo e a alienação burguesa, pela imaginação ao poder e a proibição de proibir, entrevendo a praia sob as calçadas.
Em 2010, a França explode porque não se quer reformar dois anos mais tarde.
Cada época tem a França que merece.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Portugal S.A.

Querido blogue:
Hoje acordei para o Outono, com frio e céu azul. A minha gata felpudinha miava a pedir-me comida, e havia passarinhos lá fora a lembrar-me que a vida não pára. A buganvília do pátio continua a encher tudo de folhas caídas, mas agora menos, que já está a ficar descarnadinha. O ar estava perfumado de ervas e com um travo a fumo das queimadas, ou das fogueiras dos ciganos, e eu disse que bom que é estar vivo e que bonito que é o mundo.
Depois de tomar banho e fazer a minha higiene matinal fui até ao centro da vilazinha beber café e comprar o jornal para saber as notícias. É verdade que os jornais só falam de desgraças e de guerras, nunca têm coisas boas e felizes, e a televisão é a mesma merda. Mas mesmo assim eu gosto de saber o que se passa no mundo e à minha volta. 
Então li no jornal que o director de um banco diz que "Portugal é viável, mas tem muito trabalho pela frente" e fiquei inquieto. Não por causa do trabalho, mas por ele dizer que somos viáveis. É como quando nos dizem: "Estás óptimo!" Aí percebemos que estamos velhos. Da mesma forma eu percebi que Portugal pode não ser viável, senão ninguém precisava de dizer que o era. Não é que eu não suspeitasse, afinal Portugal é assim uma espécie de milagre desde a batalha de Ourique, e existe, distingue-se ou meramente se aguenta por via de alguns estrangeiros ou imigrantes de 2ª geração (D. Afonso Henriques, filho de um francês, Infante D. Henrique, filho de uma inglesa, Camões, filho nem se sabe de quem, e muitos outros filhos de senhoras, ou nem tanto). Mas divago.
Querido blogue: só um banqueiro poderia falar da viabilidade de um país como se fosse uma empresa. A verdade é que nenhum país é viável. Todos, pelo menos uma vez na sua história, já estiveram na falência (quando é um país acho que se diz bancarrota), e continuaram a existir.
A verdade é que nem quero pensar muito no que possa ser a inviabilidade de Portugal. Temo acordar de noite pressentindo beleguins à minha porta por conta dos chamados mercados internacionais, para me levarem de penhor a televisão, a bimby, o quadro da Última Ceia e quiçá a comida da gata. Imagino o Governo a meter os teres e haveres em caixas de papelão, antes de chegarem os senhores da comissão liquidatária. Fico sem saber para onde iremos, o que faremos, o que será de nós se se chegar à situação concreta da inviabilidade portuguesa. Passaremos a ser espanhóis? Seremos vendidos em leilão da Sotheby's, à mistura com quadros pré-rafaelitas e pratas venezianas? Em que lote ficarei eu? Serei comprado por um fundo de investimento do Texas ou passarei a fazer parte dos activos de uma companhia de seguros dinamarquesa? Divago outra vez.
Mas se a questão da viabilidade for mesmo real, então eu tenho uma sugestão: privatize-se o país. Venda-se isto a uma multinacional, que coloque cá um Conselho de Administração com administradores de vários pelouros em vez de ministros (a palavra até tem a mesma raiz), um CEO em vez de primeiro-ministro, e faça-se uma Assembleia Geral de quatro em quatro anos, para os eleger. Em vez de um discurso sobre o Estado da Nação, o CEO assina todos os anos um Relatório e Contas.
Se ao fim de um certo período a inviabilidade for certa, então, olha, transformem isto num Clube de Campo para milionários russos gerido por um condomínio internacional, ponham umas vaquinhas nos campos, umas meninas seminuas nas praias, umas lojinhas "gourmet" um pouco por todo o lado, sei lá que mais, eles é que sabem.
Querido blogue, era só isto. Agora não tenho mais assunto, de maneira que vou ficar por aqui. Vou almoçar pastéis de massa tenra e depois acho que vou dar um passeio. Não sei quando voltarei a escrever mas se passar muito tempo é porque não aconteceu nada de especial.