quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Os meus livros

Eu acho que na chamada literatura portuguesa há dois grandes grupos: um deles é o Eça. O outro, é o resto. Enfim, talvez haja ainda o Camilo, pronto. Isto é o que eu acho, e como este blogue é meu, o que eu acho é que interessa. 
Isto para dizer que acabei de ler Os Maias. Olha que grande coisa, dirão os milhares de pessoas que lerem isto. Pois é, mas fiquem sabendo que o li de cabo a rabo, e a última vez que tal fizera foi há uns vinte e tal anos. E assim, um livro que faz parte incontornável da minha vida (e de muitos outros, eu sei),  foi para mim, durante os últimos  dias, uma redescoberta fantástica. Assim como quem, voltando atrás no tempo, encontra, fresco e quase na mesma, a cheirar a sabonete, aquele grande amor da juventude,  e assim revive felicidades que se criam passadas.
Quem não gostaria de passar por uma coisa assim? Pois bem, mordam-se de inveja: eu passei. Durante quinze dias (não foram menos porque muitas vezes eu quis prolongar o prazer, deixando previdentemente para amanhã o que podia ler hoje) eu voltei a viver aquela história, naqueles lugares, e  com aquela minha gente - com aquelas personagens sem as quais eu  hoje não seria o mesmo - seja lá o que for.
Vinte e tal anos durante os quais houve apenas visitas episódicas, releituras de excertos, folheanços aqui e ali, são tempo bastante para que um regresso integral seja uma nova surpresa. Maravilhado, vi-me interessadíssimo num enredo que sabia perfeiramente qual era - e acho que isto é o maior elogio que se pode fazer à arte suprema de um narrador. E ri-me alto, sozinho - na sala, na casa de banho, na pastelaria - com as queijadas esquecidas do Crujes, as chiquezas do Dâmasozinho aperreado por gozarem com a sua toilette para as corridas ("Veja lá não se lhe creste a pele, ó catitinha"), e com o clímax  da história, quando BIP BIP BIP SPOILER ALERT BIP BIP BIP Carlos da Maia toma finalmente conhecimento de que a mulher que ama e com quem dorme é nada menos que sua irmã BIP BIP END OF SPOILER BIP BIP, pede a João da Ega que lhe conte tudo, e o desenrolar desta cena de  tragédia grega, de um dramatismo sublime e quase insuportável, é constantemente interrompido pelo pobre Vilaça, que pede muita desculpa mas não sabe onde deixou o chapéu.
Antes tinha lido A Cidade e as Serras, também de fio a pavio - embora seja desigual, já que a parte verdadeiramente queirosiana é a primeira, passada em Paris. O resto é uma amável deriva ecológica e sentimental. Agora estou a avançar por O Primo Basílio. E acho que vou por aí fora. Reencontrar tudo isto, reviver em parte a graça inigualável de ler Eça, quase como se fosse pela primeira vez, é algo que me estou a oferecer a mim próprio como um presente da vida. Faça também isso. Você merece. E vai ver que gosta muito.