domingo, 16 de janeiro de 2011

Ponto de situação

Hei-de ler, Jorge. Hei-de ler, como me recomendas no teu comentário ao post anterior, "Deixem Passar o Homem Invisível." Eu sou muito de seguir conselhos, sobretudo porque são de graça. Mas agora ia falar de outra coisa quando esse título se me atravessou como um resumo da mesma: um punhado de homens invisíveis lutando por um vago cargo num vago país a afundar-se. Um espectáculo patético. 
Já nem falo da criatura que aparece a oferecer submarinos de brinquedo, a bater às portas das casas dos outros, e palhaçadas do género, até porque uma campanha eleitoral é geralmente uma palhaçada para adultos, uma sucessão de infantilidades para pessoas crescidas. Falo de um médico estimável que a estas horas devia estar a fazer o que sabe e faz bem, no Sudão ou nas serras do Rio de Janeiro, em vez de andar por aí a dizer vacuidades, ou de outro médico que pouco risca e nada de novo traz. Falo de um poeta sem norte, do funcionário competente de um partido de arqueologia política, e de um professor de economia com tanto jeito para falar às pessoas como eu tenho para dançar o Lago dos Cisnes.
Ver gente supostamente séria a beijocar peixeiras, vendedeiras de fruta e demais cidadãos anónimos que normalmente nenhum deles beijaria sem um estertor deprime-me. Assistir aos seus protestos de amor pelo povo assim beijado arrepia-me. Mas uma campanha eleitoral é assim - e como dizia Vitor Cunha Rego, as coisas são o que são. E esta não é mais do que isso. A inanidade do debate, a ausência de ideias, o desinteresse dos discursos coadunam-se perfeitamente com a irrelevância do cargo para que concorrem. 
Em Portugal, o Presidente é uma espécie de pai reformado ou avô rabugento, que todos fingem ouvir e venerar mas a quem, verdadeiramente, ninguém liga. Cabe-lhe pairar de modo sonolento sobre a vida política, tendo por única arma  os códigos da bomba atómica constitucional - a dissolução do Parlamento, uma espécie de fusível  para situações agudas. Mesmo o poder de veto pode ser anulado pela insistência do Governo. Se não for um Mário Soares, dando à representação do Estado uns fogachos de esplendor monárquico, não é mais do que o supremo funcionário público, uma inutilidade-em-chefe.
Podia ao menos ser um exemplo, uma influência, uma referência moral. Não sei como o poderá ser alguém que normalmente é eleito por metade dos eleitores, e à custa de  batalhas políticas em que se debatem acções de bancos, cheques, artimanhas várias, questões de lana-caprina e, de modo geral, um processo em que vale tudo menos tirar olhos, incluindo prometer que se vão fazer coisas que toda a gente sabe que não se vão fazer, desde logo porque a Constituição não deixa.
São vários homens invisíveis a correr para o cargo de homem invisível, o mais alto de um país finalmente reduzido à mendicidade. Mais desinteressante que esta campanha só o outro assunto de que mais se fala, a choradeira nacional e as sentidas homenagens póstumas a um homem que fez vida a maldizer, a coscuvilhar e a insinuar sobre a vida dos outros, e que nem escrever sabia. Paz à sua alma. Paz na terra para nós todos.