quarta-feira, 23 de dezembro de 2009
Inverno
quinta-feira, 17 de dezembro de 2009
sexta-feira, 11 de dezembro de 2009
Puxar pelos galões
Eu juro que não sabia que havia uma coisa chamada “galão alentejano.” Julgava que o vulgar galão era apenas isso: uma coisa vulgar, que há em todo o lado. Não o sabia típico do Alentejo, nem vejo como o possa ser: café com leite é café com leite, seja aqui, seja na Mongólia. Suspeito fortemente que se trata de uma engenhosa construção eco-cultural, semelhante à que fez do queijo flamengo uma coisa típica de Ponte de Lima, provavelmente já lá produzida quando os barões de Entre Douro e Minho ainda nem tinham inventado um país, quanto mais a sandes mista.
Seja como for, isto alegra e dá esperança. É um sinal de espírito empreendedor e de imaginação.
O futuro do Alentejo está no turismo, e fala-se de fazer dele uma espécie de “no
Para isso, o Alentejo tem quase tudo o que a Toscânia tem: o clima, paisagens, gastronomia. Só perde na tradição histórica e cultural, mas nesse aspecto qualquer outra região europeia perde. É verdade que tem cidades-museu, conventos e castelos, uma monumentalidade rica – mas comparar isso com Florença, Siena, Lucca, Pisa e tutti quanti, no que elas são hoje e no que foram, não é justo. A Toscânia conhece o turismo há séculos – foi um dos locais em que ele se inventou, quando a educação de qualquer jovem das elites norte-europeias incluía obrigatoriamente o Grand Tour pelas terras da Antiguidade clássica e do Renascimento.
O que fazer então? É simples: se há história conta-se, se não há, inventa-se. Sejamos realistas: grande parte do que hoje temos por tradições seculares são construções recentes, e algumas delas até deliberadas. A Escócia só conheceu o kilt no século XVIII, o que não impediu Mel Gibson de os vestir aos indomáveis combatentes medievais de Braveheart – um anacronismo de vários séculos em que ninguém repara, porque o kilt está consagrado hoje como eterno atavio dos escoceses.
A História não pode ser inventada. Mas pode ser encenada – que é o que acontece a muita da que o touriste de ontem e o turista de hoje percebe em lugares como a Toscânia. Esta tem um passado prodigioso, que fascina tanto como as paisagens. Pelo Alentejo não passou nem metade da História que por lá passou – mas a que existe pode ser reencenada e valorizada. O Alentejo tem o rasto de dramas e tragédias, tem cenários de paixões, tem campos de batalha, tem locais místicos, tem memórias de sangue, de luta e de trabalho. Tem tradições.
E o resto do país também. O que e preciso é saber “vendê-las.” Em Helsínquia, levaram-me um dia numa volta turística cuja metade era passada numa igreja escavada na rocha: era a única coisa interessante que havia na cidade, e os abnegados finlandeses fizeram tudo para eu a achar realmente interessante.
É aqui que entra, humilde e determinado, o galão alentejano. Se o seu caminho for firme e bem conduzido, acredito que dentro de anos o café com leite bem quentinho seja tão alentejano como italiana é a pizza - palavra que há menos de dois séculos pouca gente em Itália conhecia, e que mesmo assim começou por designar um doce.
Não se trata de fazer batota, mas de reinventar. Se é possível fazer de uma coisa tão simples e vulgar um produto típico da região, até onde se poderá ir com a açorda, o campo místico de Ourique, os cantares de mineiros, cardadores e ceifeiras, a campina a perder de vista, os torreões da raia virados a Castela, as migas, os amores pungentes de Mariana Alcoforado freirinha de Beja, os conventos, os seus mistérios e os seus doces?
Aqui como lá em cima: Arredores de Florença ou Siena? Não, senhores. De Aljustrel
Mudanças
As letras ficam melhores, as fotos, quanto a mim, piores. Agora cabe-me a mim, e só a mim, decidir por quais delas quero ser lembrado. Dispenso sugestões, eu cá me arranjo.
quarta-feira, 9 de dezembro de 2009
Outono no Alentejo
É terra de folha perene, que reverdece às primeiras águas. Mas lá onde moram as caducas, a vista é tão preciosa como o ouro e o sangue que elas trazem, poisados sobre o verde triunfante do campo alentejano.
terça-feira, 8 de dezembro de 2009
Ser português é chato
Não contei os concorrentes, mas seriam na ordem dos vinte. Contei sim, porque era fácil, os que cantaram em português. Foram dois. Os cerca de 18 restantes cantaram em inglês, imitando os meneios e trejeitos linguísticos de quem fosse nado e criado em Brooklyn ou na Califórnia. Mas eram Carinas,Tatianas, Fábios e Cátias vindos da Trofa, do Montijo, da Maia ou da Cruz de Pau.
O espectáculo foi deprimente, mas previsível. Afinal, estamos no país de David Fonseca, um cantor português muito apreciado que nunca cantou uma palavra em português, e de Jorge Palma, que só canta em português, sim, mas com esforço: ainda há tempos confessava em entrevista que durante muito tempo foi incapaz de escrever um verso que fosse na sua língua.
Não estamos bem na nossa pele, nem na nossa língua. Não estamos à vontade com o português. Temos vergonha dele. Nunca vi uma coisa assim, a não ser talvez, num processo algo semelhante, nos intelectuais expatriados romenos como Émil Cioran ou Mircea Eliade, filhos, como nós, de uma língua e de um país culturalmente periféricos, e que se refugiaram no francês – Cioran falava do “cheiro a sol e a bosta” da sua língua-mãe.
É como se quiséssemos fugir desta fatalidade original que nos coube – a de termos nascido aqui, amarrados a uma terra e a uma língua que nos impede de sermos como os outros. Ser português é uma limitação tremenda, apenas contornável macaqueando quem o não é. Por isso fazemos questão de pronunciar tão bem as línguas estrangeiras, e nos rimos dos toscos espanhóis que falam inglês com sotaque de Albacete. Por isso nos misturamos na paisagem quando vivemos algures. Somo o povo mais camaleónico da Terra. Ninguém diria que há um milhão de portugueses em Paris.
Mesmo no uso do português somos tímidos.Temos medo das palavras, usamo-las como se nos queimassem a boca ou não tivéssemos direito a dizê-las. Quando empregamos uma expressão menos usual, e nem é preciso que seja muito, rodeamo-la de desculpas que lhe amorteçam o impacto: “Passe a expressão,” “Por assim dizer,” “Como se costuma dizer.” Povoamos a escrita de “comas,” «aspas» e itálicos. Dizemos I love you para não termos que dizer amo-te, exclamamos merde e fuck porque parece mal dizer merda e foda-se. “Na língua inglesa soa sempre melhor,” cantam os Clã pela voz de Manuela Azevedo.
Ao ouvir os jovens dos “Idolos” fiquei como eles, a achar que lá fora é que se faz bem, que no estrangeiro é que é bom. Seria quase impensável ver alguém em Espanha, em França, no Brasil ou em Itália vir para um programa destes cantar em inglês ou noutra língua que não fosse espanhol, francês, português ou italiano. Até podia haver alguém que o fizesse, mas seria sempre uma excepção, e uma atitude corajosa. Em Portugal, a excepção – e a coragem – é cantar em português. Quase diria que é ser português.
quarta-feira, 2 de dezembro de 2009
A noite dos tubarões


terça-feira, 1 de dezembro de 2009
segunda-feira, 30 de novembro de 2009
Comment peut-on être suisse?
Passei a embirrar ainda mais quando uma noite em Genebra, com dois graus negativos e nenhum carro num raio de vários quilómetros em redor, vi um suíço esperar ordeira e estupidamente que o sinal mudasse para atravessar a rua.
Há mais de quatro séculos, no Império Otomano, Solimão o Magnífico recusava-se a entrar em igrejas cristãs, porque se o fizesse torná-las-ia parte integrante do Dar al-Islam, a terra do Islão, e deixariam de ser igrejas. Os cristãos podiam construí-las. Só não podiam é fazer as torres das ditas maiores que os minaretes das mesquitas, o que não deixava de ser justo. Ontem, em referendo, os suíços proibiram os muçulmanos de construírem minaretes na Suíça - um país que só deu o direito de voto às mullheres muitos anos depois da Turquia.
Agora venham falar-me de retrocessos civilizacionais. Afinal onde está a barbárie?
Nas Cartas Persas do barão de Montesquieu perguntava-se: "Como se pode ser persa?" Eu cá pergunto é como se pode ser suíço.
sábado, 28 de novembro de 2009
segunda-feira, 23 de novembro de 2009
A quem andar no IP2 entre Beja e Castro Verde por volta da hora do almoço:
domingo, 15 de novembro de 2009
sábado, 14 de novembro de 2009
quarta-feira, 11 de novembro de 2009
O Diabo à solta nas margens do Nango

domingo, 8 de novembro de 2009
Para assinalar a data
Apesar de tudo, foi uma surpresa. Naqueles dias de 1989, em que os acontecimentos aceleravam , ainda estávamos muito viciados na imutabilidade das coisas. Há 40 anos que as fronteiras não mudavam, que nada de essencial mudava. Tinha havido o Solidariedade polaco, o Papa igualmente, as Malvinas entre dois países com McDonald's, haveria a Checoslováquia de veludo, eu sei lá. Estava tudo a desabar. Mas apesar de sabermos isso, não queríamos acreditar que o Mundo tal como o conhecíamos ia acabar, e que afinal aquele muro temeroso era tão fininho.
Ninguém acreditava e, vai-se a ver agora, ninguém queria. Nem a Inglaterra, nem a França. Toda a gente tinha medo de uma Alemanha reunificada, de "um colosso de 80 milhões de habitantes," como se repetia na altura em voz trémula - ainda por cima, 80 milhões de alemães, santo Deus... Era a memória histórica do monstro.
Extraordinariamente, onde parecia haver menos medo dele era nas paragens que mais tinham sofrido com a besta, nessa Rússia onde Gorbachev assistia impávido ao desmoronar do dominó leste-europeu, ao dissolver do cordão sanitário erguido do Báltico ao Adriático para conter de uma vez por todas a agressão capitalista. Não se sabia bem na altura, mas era por não ter escolha.
A URSS era um gigante com pés de barro, estava falida e não podia sustentar mais aqueles regimes. Nem a ela própria, e à sua suposta super-potência. Era um bluff. Por essa altura lembro-me de falar com Victor Cunha Rego depois de ele ter feito parte da comitiva de Mário Soares numa visita à URSS. Vinha a cacarejar no seu riso inigualável: "Ó pá, andámos nós com medo daqueles gajos durante estes anos todos...Aquilo está tudo atado por arames. Se nos tivessem invadido, os tanques deles paravam ao fim de dez quilómetros."
Seja como for, nesses dias andávamos angustiados, percebendo que a História se estava a fazer e com medo de não saber acompanhá-la. Nesse dia, há vinte anos, percebemos que ela tivera um momento decisivo. Só houve um dia parecido doze anos depois, a 11 de Setembro de 2001. Num mundo já muito diferente do que era em 1989.
terça-feira, 3 de novembro de 2009
Mais memórias de um Muro

E para evacuar era também um problema. Entre outras manigâncias arranjadas ao longo dos tempos, vigorava um acordo Leste-Oeste mediante o qual Berlim Ocidental depositava o seu lixo em território da RDA, mediante um pagamento. Como ao fim de um certo tempo se verificou que a quantidade máxima de lixo autorizada pelo acordo não era atingida, chegou a pedir-se à população que produzisse mais. Era inconcebível que os comunistas não levassem com todo o lixo que eram pagos para receber.
Os estrangeiros tinham mais facilidade em visitar o lado oriental do que os alemães. Faziam-nos recomendações como se fôssemos entrar num jardim zoológico: “Ajam normalmente. Não fiquem a olhar demasiado para as pessoas, elas não gostam de se sentir assim observadas.” Pouco faltava para nos dizerem que não lhes déssemos de comer.
Podia passar-se a pé, no Checkpoint Charlie, ou fazendo uma estranha viagem de metropolitano. Apanhava-se o S-Bahn (rede operada pela RDA) em Friedrichtrasse, por exemplo, e saía-se na estação seguinte, já do lado de lá. Havia, em vez de bilheteiras, um posto fronteiriço. Obtinha-se um visto de 24 horas e trocava-se obrigatoriamente uma determinada quantia de marcos ocidentais por igual montante de marcos da RDA (um câmbio de 1 para 1 absolutamente artificial, já que a moeda oriental de nada valia do lado de cá).
Em poucos minutos e poucos metros, era uma viagem entre dois mundos, separados por um muro. E uma viagem no tempo, também. Saía-se de um frenesi urbano cheio de luzes, lojas, Mercedes e vida, e desembarcava-se no que parecia ser uma cidade parada em qualquer tempo passado. Não era só o cinzentismo das ruas, a ausência de néons e de publicidade em geral, as escassas lojas género capelista de bairro, os carros raros, antiquados e mal-cheirosos, as roupas de modelos que faziam lembrar os anos 40. Era algo mais fundo e entranhado nas pessoas, no seu ritmo de vida, nas suas relações. Comparada com o lado ocidental, Berlim-Leste era uma cidade provinciana, onde as pessoas não sorriam nem paravam na rua a conversar (estávamos na Alemanha, afinal de contas), mas onde as empregadas do café Linden Corso, na Unter den Linden, ou no restaurante giratório na grande bola da torre de telecomunicações em Alexanderplatz, vestidas de batas com rendinhas e sapatos antiquados, ainda eram capazes de nos desejar guten appetit. E os guardanapos eram de pano.
Praticamente, não havia onde gastar os marcos orientais. Regressar ao lado de cá proporcionava uma sensação de alívio, um pouco estranha. Eu pensava que nem tudo poderia ser mau do lado de lá - afinal de contas eram milhões de alemães que assim viviam, sem Mercedes, néons, ou pizzas. A liberdade? A liberdade é mais premente para quem a conhece, e a RDA, na altura, já levava uma geração de vida.
Mas o problema era que os alemães de Leste, e sobretudo os berlinenses, viviam paredes-meias com o "mundo livre". Se não o viam directamente, ouviam-no, recebiam os seus canais de TV, as suas imagens, os seus ecos. Ideologicamente, o capitalismo podia ter má fama no mundo do "socialismo real", mas o seu brilho e glamour não podiam deixar de causar efeito.
Uns anos mais tarde, percebi melhor como a generalidade das pessoas se está basicamente nas tintas para os grandes princípios, e quer é viver melhor seja onde for. Há vinte anos, os alemães do lado de lá saltaram o mundo em busca de bananas, que a maioria nunca tinha visto. Talvez a liberdade seja apenas isso. Mas lembro-me também de ler numa revista, naqueles dias de brasa de 1989, o desabafo de uma alemã-oriental: "Um dia acordei e pensei: tenho 40 anos, sou arquitecta, e nunca vi Veneza." Nem só de bananas vive o homem.
quarta-feira, 28 de outubro de 2009
Para o JJ Amarante
Memórias

O post anterior, e outros que já aqui coloquei, nada tem a ver com o presente, com a actualidade. As minhas janelas não estão abertas apenas para o mundo que vou vendo e sentindo, mas também para o que já vi e senti. Delas vejo mais do que a paisagem que me rodeia: vejo-me a mim como fui, onde fui, e o que fui. Nós não somos apenas o tempo que passa, somos tudo o que vivemos.
Estas histórias de mim e de coisas que vi e senti não estão escritas como as escreveria na altura. Sobre parte delas eu escrevi à época, com intuitos, ângulos e finalidades diferentes de hoje. O que sobreviveu de tudo isso serve-me hoje como se de meros apontamentos se tratasse. O que eu quero é recriar a minha memória desses lugares, gentes e sentimentos que tive, relendo o passado, olhando-o de uma distância às vezes já grande. Muitas das coisas de que falo já nem sequer existem, ou, se existem, são já muito diferentes. Não importa: elas existem na memória. No fundo, é onde tudo existe para nós.
terça-feira, 27 de outubro de 2009
Vaya con Diós

Era um acossado, o velho Chino: pelo trânsito, pelas pessoas, pela vida. Olhava em volta como se indagasse quem lá vinha, farejando ameaças. Tinha um revólver no porta-luvas e apontava o dedo ossudo para os chavales e demais malandragem que borboleteava nos passeios do bairro de San Miguelito. Não fazia a coisa por menos: “Todos ladrones. Habria que matarlos a todos.” Não poupava ninguém, e quando eu li alto a placa na parede do quartel das Forças de Defesa do Panamá, que exorta quem lá entra a morrer pela Pátria, ele rosnou: “Morian por Panamá un carajo. Se fueran todos, huyendo.”
Isto de fugirem todos fora alguns meses antes, quando em Dezembro de 1989 os Estados Unidos resolveram ir ao Panamá buscar Manuel Noriega. O “Cara de Ananás” estava a tornar-se incómodo ali naquele rincão do quintal das traseiras da América, nesse Panamá por eles talhado à medida de um canal entre dois oceanos. Então, Bush pai mandou as suas tropas, e entre elas gente que só o nome põe respeito – 82ª Divisão Aerotransportada, 6º Regimento de “Marines”, lendas talhadas de Bastogne a Khe Sahn. Mas naqueles dias de História suspensa, ainda nos efeitos da Guerra Fria, eles ainda vinham de um defeso grande, galuchos imberbes cuja primeira vaga de assalto Mário de Carvalho, operador de câmara da CBS para tudo quanto é guerra, acompanha divertido.
domingo, 25 de outubro de 2009
sexta-feira, 23 de outubro de 2009
Por mim, era já
