sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Revisitações: Quarto com vista


Este Verão mudei de década de vida, e achei que Florença era um bom sítio para celebrar tal mutação etária com a mulher da minh'alma. Nunca lá tinha ido.Já andei por sítios que não lembram ao diabo. A uns não gostei de ir, mas gosto de ter ido. Florença era daqueles a que eu gostei de não ter ido antes, e que tinha guardado como uma garrafa de vinho, alimentando-me do gozo que teria ao bebê-la. Há poucas coisas mais invejáveis do que os olhos de um neófito.
Ir a uma cidade onde se concentra um quinto de todos os tesouros artísticos do mundo, e onde a cada esquina se tropeça com um, é como ir a um banquete. Acabamos por perder o apetite e não comer nem um décimo das coisas que gostaríamos. Estar num sítio é deixar de estar noutro, e nem uma vida inteira chegaria para ver tudo. Stendhal chegou aqui e, perante o estendal de arte (não resisti a esta…) ia-lhe dando uma coisinha má, tipificando uma síndrome que até já está cientificamente estudada. Convenhamos que é uma doença chiquérrima: "Querida, o médico proibiu-me Van Goghs, Ticianos e tudo quanto seja impressionista. Agora só posso ver umas coisinhas abstractas, uma aguarelas inglesas e um pré-rafaelita de vez em quando. Rubens, por exemplo, nem pensar, dá-me logo palpitações."

Como no resto do país, muitos dos tesouros de Florença estão ocasionalmente escondidos por andaimes e tapumes. Manter tudo aquilo em bom estado é um trabalho de Sísifo, e quando se acabou de recuperar tudo, há que começar de novo. A Itália é um estaleiro permanente. Felizmente que neste momento só as traseiras da catedral estão a ser limpas. Desembocando do Borgo S. Lorenzo, vindo dos lados do mercado, topei com a incomparável fachada do Duomo a brilhar e soltei um grito da alma: “Caralhos ma fodam, que coisa mailinda.” Não sou o Stendhal.

Quando Deus distribuiu a beleza pela Terra, grande parte foi parar a Itália. Se esta desaparecesse, o mundo ficava muito mais feio e triste. E não falo só da arte – falo da terra, das pessoas e do que elas continuam a fazer no dia a dia. A empregada do tasco põe-nos à frente uma choruda bisteca fiorentina e abre as mãos em adoração: "Guardi comme é bella!" Só neste país é que uma costeleta é servida com a reverência prestada às obras-primas.




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