sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Sulla piazza

Quando soaram as badaladas da meia-noite na torre do Palazzo Vecchio anunciando a chegada do fatídico dia dos meus anos, eu estava ali na Piazza della Signoria, trincando um coraçãozinho de chocolate comprado na Rivoire da esquina. A cidade escaldava ainda de um dia abrasador. Faziam quase trinta graus àquela hora, e eu tive inveja do David, do Neptuno, e dos outros seres em pelo que ali estão cinzelados e expostos.

Levei na bagagem para Florença um livro de David Leavitt. Como E. M. Forster, que escreveu o livro mais icónico passado em Florença, Leavitt é homossexual, e só por isso já se compreendia o seu fascínio pelo ambiente sensual da cidade em geral, e pela Signoria em particular. Ele diz que aquela praça não é para mulheres. Faz sentido. Ali se juntam, eternizados na pedra e singularmente irmanados, a misoginia e os fantasmas homoeróticos. A ostensiva nudez masculina "calcifica a fanfarronice sexual". As figuras femininas ou são as Sabinas violadas ou Judite cortando a cabeça a Holoferne. Acrescento eu: toda aquela exuberante genitália à solta é demasiado explícita para os meandros do desejo feminino, que me perdoem as campeãs e os campeões (pareço um político a falar) da indiferenciação dos géneros. Mas um homossexual masculino é geralmente mais terra-a-terra nos seus impulsos e vai, digamos, mais direito ao assunto.
Ali, o termo "arte erótica" nunca pareceu tão redundante. Toda aquela arte é erótica, e lá no fundo deve haver pouca gente insensível à sugestão carnal do David, de corpo tão perfeito e ao mesmo tempo tão desproporcionado (a cabeça enorme é de um adolescente, mas as mãos, também enormes?). Não caem parentes na lama por confessar tais sensações perante a mais bela estátua do mundo – pelo menos, perante o original que está na Academia, se não se quiser pecar por uma simples cópia.

No geral, Florença é uma Meca gay, passe a cacofonia escatológica. Mas ela até vem a propósito para lembrar que não cheira especialmente bem, ao contrário de qualquer ideário romântico. Há ruas que cheiram a esgoto e a lodos do Arno. O que também faz sentido, porque é como se algo nos quisesse lembrar que toda aquela beleza é de fabrico humano, e que a vida tem um lado podre. Quem quiser perfumes no ar, que saia da cidade e vá para as colinas (mas lá iremos). Florença, a bela, foi construída sobre planícies pantanosas onde ainda não há muito se morria de paludismo, conquistada às lamas e aos miasmas à custa de drenagens persistentes e dinheiro dos Médici, que não pagava só políticos e artistas.
A uns metros de mim, os turistas caminham sobre um medalhão de bronze incrustado no solo da Piazza, ignorando geralmente o que ele representa. Assinala o local exacto em que Girolamo Savonarola, o franciscano que ali acendera a fogueira das vaidades florentinas, foi ele próprio levado à fogueira em 1498. Erguera-se contra a imoralidade, a sensualidade, a devassidão renascentista da cidade. Queimou livros, quadros, estátuas e cosméticos. Mas a cidade cansou-se, e queimou ela própria o fradalhão, atirando as suas cinzas ao Arno sob o Pontevecchio.
Há quem lhe chame justiça poética. Quanto a mim, podia ficar agora aqui o resto da vida a encadear metáforas sobre a morte e a vida, o bem e o mal, a beleza e a podridão. Mas, felizmente, não me apetece.

1 comentário:

  1. If you are going for finest contents like myself, just pay a quick visit this web page daily because it presents feature contents, thanks

    my weblog :: luxe vakantiehuisjes frankrijk huren

    ResponderEliminar