quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

meninas vamos ao shift

há imensa gente que agora deu em escrever assim, sem usar maiúsculas. a primeira vez que vi tal coisa foi nos textos de f. no jugular, aquele blogue que tem grandes amigas minhas e também uma cientista radical que suspira em inglês mas que não tem nada a ver com este assunto, foi só um aparte. depois vi a mesma mania aqui e ali na chamada blogosfera. há mesmo um escritor, valter hugo mãe, que até o próprio nome escreve assim, e depois vai por aí fora, em livros inteiros. alega ele que o faz porque "as palavras têm todas a mesma dignidade."
digo eu: ó mãe, arranja outra desculpa. tu queres é ser diferente e dar nas vistas. a dignidade das palavras não está na ortografia, está no uso que lhes deres. e a dignidade da tua escrita está no que ela traduz, não nos sinais gráficos que usas. poupa-me. a bem dizer, poupas-me mesmo, porque até pode ser que escrevas bem, mas nunca li nem me apetece ler nada teu, pelo menos enquanto escreveres assim e os teus textos tiverem o aspecto deste que acabaste de ler . e se não acabaste, isso só prova uma de duas coisas: ou que nem sabes que existo, que é de longe o mais provável, ou que este texto é uma chatice de ler.
para mim é. andou a humanidade durante séculos a apurar formas de tornar a escrita legível, balizando-a, introduzindo marcas que facilitem a leitura e a compreensão do texto, que permitam entrar nele não só pelo princípio e pelo fim mas também por pontos intermédios, tornando-o vivo e digno, com os seus altos e baixos, as suas colinas, vales e planícies como numa jornada em que a paisagem variada nos revela o que lhe está subjacente e nos incita a continuar, e vem esta gente dar cabo de tudo isso e tornar o texto numa seca altamente confusa e chata de ler.
é que nem se vê bem onde começam e onde acabam as frases nem se distingue deus de um deus qualquer, nem a maria dos prazeres dos prazeres da maria, nem se sabe se são os vieiras que comem vieiras ou as vieiras que comem os vieiras ou os lampreias as lampreias, ou vice-versa. e é uma chatice de ver. digam lá se esta porcaria tem alguma piada, esta uniformidade rebarbativa, estas riscas monótonas como bombazina barata, como um batalhão de ss - não, não é uma onomatopeia para serpentes, é a sigla de schutzstaffel, os tropas de choque do hitler, que marchavam alinhadinhos e todos iguais como as tuas palavras, ó mãe.
não, poupem-me a esse igualitarismo ortográfico, a esse ódio plebeu à caixa alta, a esse nivelamento oco, a esse relativismo bacoco. isso não é mais do que uma moda, como as calças à boca de sino, as patilhas em bico ou dizer "basicamente" de duas em duas frases. abaixo a ditadura da caixa baixa. abaixo a preguiça de carregar no shift e desactivar o capslock. shift happens, digo eu que também sei inglês. viva o progresso e as suas grandes conquistas. e, sobretudo, irmãos, deixem-se de tretas. a brincadeira foi gira, a ideia foi curiosa, teve muita graça, ha ha ha. agora escrevam como gente, que é para a gente os ler, que a gente agradece-vos muito o esforço, e à vossa família toda.

14 comentários:

  1. :-) estou a acabar de ler o dito mãe e devo dizer que já nem me incomoda o truque porque a f. nos habituou a ele. mas lá que é um disparate, não resta lugar para dúvidas...

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  2. Onde é que se assina esta petição, JPB? ;-)

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  3. É boa ideia, Luísa, pôr em marcha uma petição. Há tempos correu aí nos blogues um movimento contra o ponto de exclamação, e muitos declararam-se oficialmente livres desse redundante sinal gráfico. Acho que vou declarar este blogue como livre de minúsculas abusivas, ou coisa do género.

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  4. Este post vai ser destaque mais logo, na Homepage do SAPO. Obrigada Joana, por me ter feito cá chegar :)

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  5. No tempo em que os animais falavam existiam duas linguagens de programação, chamadas FORTRAN e COBOL, onde tudo era escrito com letras maiúsculas porque o código dos caracteres não dava para mais.

    Quando mais tarde apareceu um sistema operativo chamado UNIX e outras linguagens de programação mais estilosas, já se podia permitir um pouco mais de expressividade no alfabeto, passando a ser possível usar minúsculas.

    Acho que as pessoas estavam por essa altura muito fartas da obrigatoriedade de usar maiúsculas e usaram as minúsculas com enorme entusiasmo, quer nos programas quer nos endereços de e-mail, sítio onde presumo que começaram a aparecer nomes próprios começando com minúsculas.

    Acho que é daí que vem esta moda, que está a empobrecer a beleza tipográfica dos textos.

    Nos jornalistas esta moda pode ter tido origem na reacção à leitura dos TELEXs de outros tempos, onde vinha tudo em maiúsculas e ainda por cima sem acentos.

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  6. Não sei se será apenas moda, se fosse passava como qualquer outra e nem era preciso a petição. O problema é se a moda veio para ficar...
    ~CC~

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  7. Como prometido, este post está em destaque na Homepage do SAPO, tab Radar- http://is.gd/7Mg2d

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  8. A primeira vez que ouvi alguém afirmar que só escrevia em minúsculas foi no Pessoal e Transmissivel na TSF numa entrevista ao poeta valter hugo mãe. Detestei o programa,a ideia e nunca lerei nada do poeta;inventar a roda passou de tempo perdido a objectivo intelecto-cultural. Coisas de gente que nunca leu alemão, suponho.
    Cumprimentos,

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  9. Exacto, Afonso Henriques.Quando eu estava a escrever, pensei em referir o alemão, no qual as maiúsculas são essenciais. Mas não sei alemão. E embora o não saber de um assunto nem sempre me impeça de falar dele, desta vez achei que não era preciso aventurar-me.

    Toda esta história lembra-me de quando começou a moda do windsurf, e depois da asa-delta, e ultra-leves, etc. O que estava a acontecer era que a espécie humana estava a pegar numa simples prancha e a põr-lhe um mastro e depois uma vela, ou a reproduzir as asas de um pássaro para voar. Nessa altura escrevi algures que aquela gente não percebia que estava a inventar outra vez o barco e o avião.
    Por isso não me preocupo muito. Um dia destes eles inventam as maiúsculas.

    E obrigado, Jonas :-))

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  10. O que eu gosto mais na boa escrita não é se está em maiusculas ou minusculas, se tem palavras em inglês ou françês, se tem o novo acordo ortográfico ou não. Irrelevante.

    O que eu gosto mais na boa escrita é a sua qualidade intrínseca e a sua liberdade, escrita de que maneira for.

    PS. Se se quer normalizar tudo á exaustão por dá cá aquela palha, pensem antes assim: IMAGINEM QUE A MODA ERA ALL-CAPS!

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  11. A maiúscula faz toda a diferença entre "direito" e "Direito", por exemplo. A chatice é quando "direito" vem num início de frase e se torna "Direito", sem perder o significado... que o contexto lhe garantirá. Whatever... wherever, however... ever.

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  12. Que tristemente redutor é o indivíduo que legisla para a arte de outro. Só pode ser uma dor de cotovelo qualquer porque alguém se evidência, ainda por cima com tanta coisa contra, com tanto preconceito. As artes estão cheias de hipóteses e experiências e tentativas, fazer disto um modo de desprezar o autor é como desprezar alguém por gostar mais de carne do que peixe, por gostar mais do Verão do que do Inverno. É simplesmente ridículo. Como devia ser suficiente entender que quer Saramago, quer Lobo Antunes são dois dos maiores escritores portugueses de sempre, e sempre houve gente a barafustar contra a liberdade formal que adoptaram e essa gente sempre ladrou e eles passaram e continuarão a passar, porque a arte não se compadece com considerações pequeninas de quem só sabe ser invejoso.

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  13. É, eu tenho imensa inveja de não conseguir escrever com minúsculas. Deus não me deu essa capacidade.
    Mas também não me deu a capacidade de engolir tudo o que se faz em nome da "arte" , das "hipóteses", das "experiências" como se fosse bom. A aceitação acrítica de toda a "inovação", mesmo a mais demiolada, é o pior dos conformismos.
    Pela mesma razão, não tenho que aceitar, como se fosse um dogma, imutável e incontestável, essa sua afirmação de que "quer Saramago, quer Lobo Antunes são dois dos maiores escritores portugueses". Há quem discorde. E sim, é perfeitamente legítimo contestar e criticar não a liberdade formal em si (toda a gente a deve ter) mas o uso que eles (ou qualquer outros) fazem dela.
    "Eles" não passaram todos, não senhor: só muito poucos o fizeram. A maior parte ficou-se pelo caminho, porque o que propunham não tinha qualquer sumo. Por cada crítica sem razão, sempre houve cem que acertaram.
    E o próprio Mãe já veio dizer que vai passar a usar maiúsculas.

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