segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Clichés



O João dizia-me: “Eu não sou emigrante. Sou um nova-iorquino de origem portuguesa. Não tenho nada a ver com a malta do pastel de bacalhau que mora do lado de lá do rio.”
Tinha nascido em Manteigas, e agora era dono de uma empresa com showroom na 6ª Avenida, que descia todos os dias de patins em linha e auscultadores nos ouvidos. O negócio eram camas de latão, que vendia abundantemente. Camas espantosas, digo-vos eu: havia-as de espaldares que mais pareciam de um trono imperial. Algumas eram como refinarias, outras como catedrais refulgentes, lançando pináculos ao céu. Tinha por fregueses muitas estrelas do cinema, e já fizera uma cama para a Zsa Zsa Gabor. Imagino a peça.
Isto foi antes, muito antes do 11 de Setembro, e ainda havia as Torres Gémeas. Mas não foi lá que ele me levou quando me disse “Vou mostrar-te Nova Iorque.” Ora, quando alguém nos diz “vou mostrar-te Nova Iorque,” o mais sensato é aceitar, porque Nova Iorque nunca se conhece completamente.
Então levou-me a um bar perto do Empire State, creio que na rua 33. Era Junho quase Julho, e isto em Nova Iorque é calor irrespirável, é garganta seca e arranhada de poluição, é o inferno. O bar era ameno e a cerveja excelente. Eu estava morto de sede. Bebi quatro de enfiada, e um conhaque para rematar. Fiquei pronto para conhecer o que quer que fosse.
“Nova Iorque mete respeito,” dizia-me o João. “Tu sabes que há portugueses que moram em Newark há 20 anos e nunca vieram a Manhattan?” É a tal malta do pastel de bacalhau. Newark está para Nova Iorque como a Costa da Caparica para Lisboa ou Miramar para o Porto. De lá vê-se o skyline da Grande Maçã. E é isso que mete medo – o português não teme as distâncias, mas dá-se menos bem com as alturas.
“Tens que ver Nova Iorque de cima. Vais ver que nesta cidade há sempre forma de subir mais um pouco.” Eu já estava meio grosso e precisava urgentemente de ar fresco, por isso foi de bom grado que subi lá acima ao Empire State. O Freddy, que nos acompanhara no raide cervejeiro, trabalhava lá e tinha as chaves do andar superior àquele onde vão os turistas. Ali, no piso das máquinas dos elevadores, onde o público não vai, há uma plataforma em rede metálica que sai literalmente para cima da cidade.
A brisa das alturas limpou-me dos vapores alcoólicos.“Tens Nova Iorque aos pés,” atirou-me o João. “Pois tenho,” disse eu. E bati esta fotografia – ou, como se dizia antigamente, este cliché.

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