quarta-feira, 30 de junho de 2010

Flagrante da vida real

São nove e tal da noite, as vuvuzelas calaram-se na Cidade do Cabo. Um silêncio lúgubre paira sobre a praceta para onde dá a minha varanda. De súbito, e certamente saído de um andar ali ao virar da esquina, onde se afixa uma bandeira espanhola, esganiça-se um grito de mulher: 
- España! España!
Como se estivesse à espera, solta-se logo uma tremenda voz de macho magoado, vinda não sei de que outra janela, mas do fundo da alma:
- Cala-te, filha da puta!
Durante bastante tempo depois, só o ladrar desgarrado  de cães longínquos volta, aqui e ali, a quebrar o silêncio.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

É ainda a casa das silvas

Uma casa em ruínas é o céu dentro dela, é a floresta na sala. São as paredes que nos repelem. É a luz que passeia sem foco e sem norte.  São janelas e portas que já só olham para dentro. É um quadro surrealista, a falta de sentido, a negação da lógica. Uma casa em ruínas é o mundo às avessas.

domingo, 27 de junho de 2010

Olhares

Guiné-Bissau, 1982

Flagrante da vida real

No supermercado, junto à secção das massas e esparguetes:
- Olha, não és o JPB?
- Sou.
(Meu Deus, faz com que não pergunte se me lembro dele.)
- Não te lembras de mim?
(Perguntou. E agora?)
- Eu era o Gaspar!
- Presumo que ainda sejas.
(Cai o pano)